Esta história – que não inclui animais – soube-a pela Alexandra Prado Coelho, a jornalista do Público responsável pelas crónicas de culinária e hábitos alimentares. Francis Kenter é uma cidadã holandesa que vive numa comunidade animista, professando um estilo de vida que inclui o crudiveganismo (ou crudivorismo), isto é, o consumo exclusivo de alimentos de origem vegetal não cozinhados (pelo efeito do calor, portanto). A história não seria merecedora de atenção mediática não fosse esta mãe alimentar o seu filho, Tom, segundo os mesmos proverbiais preceitos e o caso ter ido parar aos tribunais por uma queixa de maus-tratos interposta pelos serviços de acção social. A crónica de Mikel López Iturriaga, no blog El Comidista do Jornal El País, desenrola o novelo da história.
O insólito caso foi seguido pela documentarista holandesa Anneloek Sollart durante vários anos, dando origem a dois filmes: Raw (Cru), de 2008 - quando Tom tinha 10 anos - e Rawer (mais cru), de 2012, com Tom já na adolescência. Segundo os médicos, Tom terá um crescimento 10-15 cms inferior ao esperado para um rapaz da sua idade e apresenta um quadro nutricional característico de crianças da África subsariana. A sua mãe, por outro lado, interroga-se porque é que o Estado quer retira-lhe a custódia do filho ao mesmo tempo que permite que milhares de pais alimentem os seus filhos com junk food, cujos malefícios para a saúde estão sobejamente demonstrados. Nas palavras de Alexandra Prado Coelho, este:
“É um caso que levanta uma série de questões. Devem os pais, por convicção de que estão a fazer o melhor para os filhos, ser autorizados a alimentá-lo de uma forma que os poderá prejudicar? Será legítimo o Estado intervir nestes casos? Tom será mais feliz a viver separado da mãe e a comer comida com a qual não concorda? Terá o rapaz sofrido uma lavagem ao cérebro desde pequeno ou terá capacidade para ter opinião própria neste assunto? E os pais que alimentam os filhos exclusivamente com junk food, devem ver-se também privados do poder paternal?”
Este caso está em contraste gritante com a epidemia de obesidade que grassa no mundo desenvolvido (e não só) mas as questões que coloca são semelhantes. Onde acaba a nossa liberdade como agentes (morais) autónomos em fazer o que entendemos pela nossa saúde e a dos nossos filhos e começa o dever da sociedade em pôr cobro a hábitos alimentares que considera inaceitáveis (e, portanto, imorais)? E onde está a linha que os separa?