Devemos acabar com a eutanásia dos animais nos canis?

[Artigo de Ana Catarina Vieira de Castro]


Cão alojado num canil (Fonte)
Depois da recente notíciasobre a proibição do abate de animais abandonados em Madrid, o PAN - Pessoas, Animais, Natureza decidiu avançar em Portugal com uma iniciativasemelhante. Acabar com a eutanásia de animais abandonados pode parecer à primeira vista uma excelente proposta. Mas vamos reflectir um pouco sobre ela.

Quem conhece de perto a realidade em Portugal sabe que o número de cães em canis e associações de protecção de animais é dramático. E este número aumenta a cada dia, sem que haja adopções suficientes para permitir, no mínimo, manter constante o número de animais albergados nestes lugares. Uma questão que alguém ligado à área do bem-estar animal coloca logo quando pensa sobre este assunto é: Que qualidade de vida têm estes animais enquanto não são dados para adopção?

Mesmo com a actual prática de eutanásia em canis municipais, há muitas associações (onde não é feita eutanásia) que são verdadeiros depósitos de animais. Não quero de forma alguma pôr em causa as boas intenções das pessoas que, em regime de voluntariado, com muito esforço e muito amor à causa, conseguem manter estas associações vivas e conseguem ajudar alguns animais. Mas há muitos animais a viver em condições que, no meu entender, não atingem padrões mínimos de bem-estar.

Quantos descendentes poderá uma gata não esterilizada
potencialmente originar? (Fonte)
Quantos descendentes poderá uma cadela não esterilizada
potencialmente originar? (Fonte)
Em algumas associações podemos encontrar dezenas ou centenas de cães a partilhar espaços reduzidos, por vezes durante anos a fio. Há vários animais com hipóteses de adopção muito reduzidas, como por exemplo animais medrosos e/ou agressivos, nos quais nem os voluntários que lá vão diariamente conseguem tocar. A maior parte destes animais não tem o exercício físico nem o enriquecimento ambiental adequado. Embora por um período curto de tempo esta situação possa não ter um impacto significativo no bem-estar dos cães, a verdade é que há animais que passam vários anos nestas condições.

Quais serão as consequências para este cenário, já de si complicado, de uma eventual proibição da eutanásia? O número de cães sem dono vai continuar a crescer muito para além daquele que é suportado pelas infraestruturas existentes. Existirá espaço para albergar todos estes animais? Haverá recursos para lhes proporcionar os cuidados de saúde, de higiene, de passeio, de contacto humano e enriquecimento ambiental necessário?

No Reino Unido temos excelentes exemplos de associações de animais abandonados, como a RSPCA, a Dogs Trust e a Battersea Dogs and Cats Home. Tive recentemente a oportunidade de visitar as instalações da Battersea em Londres. Os cães estão por norma alojados individualmente e em espaços grandes, têm passeios diários, contacto humano durante todo o dia, brinquedos para enriquecimento ambiental, música ambiente e feromonas calmantes, entre outras coisas. Os gatos, pela riqueza do ambiente, estão em condições melhores do que muitos gatos em casas portuguesas. Todos os animais estavam incrivelmente calmos. Só em condições deste tipo me parece ético manter um animal por períodos de tempo relativamente longos. Infelizmente, com o cenário português actual, albergar todos os animais abandonados em associações deste género não parece praticável. Os números são excessivos. Precisamos ainda de percorrer um longo caminho em termos de políticas de esterilização, de educação e sensibilização da população, de forma a conseguir diminuir estes números.



O fim da eutanásia de animais abandonados deve, sem dúvida, ser visto como um objectivo a perseguir, mas a médio-longo prazo. Até lá temos o dever moral de, dentro da nossa realidade, fazer o melhor pelos nossos animais. A eutanásia, desde que bem conduzida, não envolve sofrimento. Será eticamente mais correcto manter um animal nas condições em que muitos deles vivem hoje em dia (e que irá piorar se a eutanásia for proibida) do que eutanasiá-lo? A resposta, do ponto de vista do bem-estar animal, parece óbvia.
LihatTutupKomentar