Como se compara o Código Deontológico da Ordem dos Médicos Veterinários (CD-OMV) com outros códigos de conduta europeus? Uma revisão sistemática de 5 códigos veterinários, publicada esta semana no Veterinary Record, encontrou oito temas em comum mas também diferenҫas substanciais. Ouҫa o podcast, leia o artigo ou o Editorial.
Enquanto noutros códigos de conduta a principal preocupaҫão da profissão veterinária é a defesa do bem–estar animal, no CD-OMV o termo ‘bem-estar’ é apenas mencionado duas vezes nos artigos introdutórios (art.2º, art.4º), isto num documento com cerca de 7800 palavras. Nele não há qualquer referência a tópicos essenciais na defesa do bem-estar animal como eutanásia ou Cinco Liberdades.
Como se pode atestar pela figura que acompanha a versão impressa do artigo (clique para aumentar), os deveres para com os animais ocupam pouco mais de 1% do CD–OMV, o que parece manifestamente pouco quando comparado com os mais de 20% do código de conduta britânico (RVCS-CPC). Ao invés, mais de 30% do CD-OMV é dedicado aos deveres para com colegas veterinários e mais de 20% aos deveres para com a sociedade (valores normalizados a 100%). Estes resultados parecem reflectir uma tradiҫão contractualista e antropocêntrica da classe veterinária em Portugal, onde os animais têm um valor maioritariamente instrumental face aos valores, e interesses, humanos
Por outro lado, o CD-OMV enfatiza a prevenҫão de má conduta profissional e não tanto a promoҫão de boa conduta. O uso de termos como 'não é permitida’ (artigo 8º), ‘absolutamente interdito’ (art.9.º; art.50), ‘vedado’ (e.g. art.11º ; art.12º ; art.15º, art.16º), ‘atitudes reprováveis’ (art.28.º) ilustram bem o pendor negativo e condenatório do CD-OMV. Uma estratégia diferente parece ter sido adoptada pelo código de ética dinamarquês (DDD-EK) onde todas as disposiҫões obedecem à mesma fórmula positiva "é considerada boa prática [ética]...”. Isto permite capacitar os médicos veterinários dinamarqueses na promoҫão de boas práticas em vez de procurar apenas evitar más práticas. Para além disso, os códigos de conduta negativos parecem entrar em conflito com o facto de as pessoas mais facilmente se envolverem em acções moralmente censuráveis por omissão (i.e. prejudicando por não fazer nada) do que por comissão (ou seja, prejudicando fazendo algo).
Este artigo científico, o primeiro do género sobre códigos de conduta veterinários, pode servir de ponto de partida para uma revisão construtiva do CD-OMV, capaz de abarcar a diversidade de pontos de vista sobre o estatuto moral dos animais dentro da profissão. Pode também promover um debate, dentro da profissão e fora dela, sobre os deveres do médico veterinário: tem o médico veterinário o dever primordial de defender o animal, os colegas ou a sociedade?
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